sábado, 4 de outubro de 2008

Paulo Coelho - Carta ao Presidente Bush

Obrigado, Presidente Bush

Eu escrevi a carta abaixo no dia 9 de março de 2003, dez dias antes da invasão do Iraque. É o meu texto mais lido até hoje: publicado nos maiores jornais do planeta, transformado em corrente na internet, foi lido por cerca de 500.000.000 de pessoas.
A guerra agora entra no seu sexto ano: mais de 4.000 soldados americanos perderam a vida, junto com um número indefinido de iraquianos. Segundo a CNN (24/03/2008), “estimativas colocam as mortes entre 80.000 e centenas de millhares, com 2 milhões de pessoas obrigadas a deixar o país, e mais 2,5 milhões em campos de refugiados, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas”.
Grande parte das pessoas que cito já desapareceram de cena, mas a guerra continua. Não existe, no momento, nenhuma luz no final do túnel. A seguir, alguns trechos:

Obrigado, grande líder George W. Bush.

Obrigado por mostrar a todos o perigo que Sadam Hussein representa. Talvez muitos de nós tivéssemos esquecido que ele utilizou armas químicas contra o seu povo, contra os Curdos, contra os Iraquianos. Hussein é um ditador sanguinário, uma das mais claras expressões do mal no dia de hoje.
Entretanto , esta não é a única razão pela qual estou lhe agradecendo. Nos dois primeiros meses do ano de 2003 , o Sr. foi capaz de mostrar muitas coisas importantes ao mundo, e por isso merece a minha gratidão. Assim, recordando um poema que aprendi na infância, quero lhe dizer obrigado.

Obrigado por mostrar a todos que o povo Turco e seu parlamento, não está á venda, nem por 26 bilhões de dólares.

Obrigado por revelar ao mundo o gigantesco abismo que existe entre a decisão dos governantes, e os desejos do povo. Por deixar claro que tanto Jose Maria Aznar como Tony Blair não dão a mínima importância, e não tem nenhum respeito pelos votos que receberam. Aznar é capaz de ignorar que 90% dos espanhóis estão contra a guerra, e Blair não se importa com a maior manifestação pública na Inglaterra nestes 30 anos mais recentes.

Obrigado porque sua perseverança forçou Tony Blair a ir ao Parlamento Inglês com um dossiê falsificado, escrito por um estudante há 10 anos, e apresentar isso como "provas contundentes recolhidas pelo serviço secreto britânico".

Obrigado por enviar Colin Powell ao conselho de segurança da ONU com provas e fotos, permitindo que, uma semana mais tarde, as mesmas fossem publicamente contestadas por Hans Blix, o Inspector responsável pelo desarmamento no Iraque.

Obrigado porque sua posição fez como que o Ministro da Relações Exteriores de França, Sr. Dominique de Villepin, em seu discurso contra a guerra tivesse a honra de ser aplaudido no plenário - honra esta que, pelo que eu saiba, só tinha acontecido uma vez na história da ONU, por ocasião do discurso de Nelson Mandela.

Obrigado porque, graças aos seus esforços pela guerra, pela primeira vez as nações árabes - geralmente divididas - foram unânimes em condenar uma invasão, durante o encontro no Cairo, na última semana de Fevereiro.

Obrigado porque, graças á sua retórica afirmando que " a ONU tem uma chance de mostrar sua relevância", mesmo os países mais relutantes terminaram tomando uma posição contra um ataque no Iraque.

Obrigado por sua política exterior ter feito o Ministro de Relações Exteriores da Inglaterra, Jack Straw, declarar em pleno século XXI que "uma guerra pode ter justificativas morais" - e ao declarar isso, perder toda a credibilidade.

Obrigado por tentar dividir uma Europa que luta pela sua unificação; isso foi um alerta não será ignorado.

Obrigado por ter conseguido o que poucos conseguiram neste século: unir milhões de pessoas, em todos os continentes, lutando pela mesma ideia - embora esta ideia seja oposta á sua.

Obrigado por nos fazer de novo sentir que, mesmo que nossas palavras não sejam ouvidas elas pelo menos são pronunciadas - e isso nos dará mais força no futuro.

Obrigado por nos ignorar, por marginalizar todos aqueles que tomaram uma atitude contra a sua decisão, pois é dos excluídos o futuro da terra.

Obrigado porque, sem o senhor, não teríamos conhecido nossa capacidade de mobilização. Talvez ela não sirva para nada no presente, mas seguramente será útil adiante. Agora que os tambores da guerra parecem soar de maneira irreversível, quero fazer minhas as palavras de um antigo rei europeu para um invasor: "que sua manhã seja linda, que o sol brilhe nas armaduras de seus soldados - porque durante a tarde eu o derrotarei:"

Obrigado por permitir a todos nós, um exército de anónimos que passeiam pelas ruas tentando parar um processo já em marcha, tomemos conhecimento do que é a sensação de impotência, aprendamos a lidar com ela, e transformá-la.

Obrigada porque não nos escutaste, e não nos levaste a sério. Pois saiba que nós o escutamos, e não esqueceremos a suas palavras.

Obrigado, grande líder George W. Bush.
Muito obrigado

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